Na Senda do Discípulo

A senda do discípulo, como vem sendo referido ao longo dos tempos em toda a tradição esotérica que vem desde Blavatsky, sempre foi um trilho estreito. Um trilho de muitas provações em que esse mesmo discípulo era testado na sua fé, entrega e aspiração, até se encontrar com o Mestre e neste se integrar. A estadia no deserto não é apenas uma metáfora bíblica, onde Jesus foi tentado nos seus próprios desejos até se limpar de todos eles e assumir a tarefa que lhe correspondia, mas uma realidade interna em todos nós. Estar nesse deserto é estar na solidão de uma dor ancestral que transportamos de muitas encarnações e que precisa de ser curada. Mas este é um processo solitário, por mais que sejamos acompanhados de outros planos.


Não é certamente fácil para o discípulo, aquele que aspira a ser um servidor do plano evolutivo, confrontar-se com os relatos de abundantes e luxuriantes oásis de Paz, quando à sua volta apenas as areias quentes do deserto, a secura da paisagem e o desconforto de uma caminhada sem aparente rumo, se apresenta.

Mas essa é a nossa prova. Saber acreditar que pela persistência dos nossos passos, por mais que estes se enterrem nessas areias quentes, os oásis acabarão por se apresentar diante de nós, é a chave para que possamos transmutar toda essa carga ancestral que transportamos.

Que olhemos para nós próprios com compaixão e percebamos o quanto já foi transformado. Será que somos hoje os mesmos de há um, dois, cinco anos atrás? Apesar de todas as dificuldades, e devido a essas mesmas dificuldades, quantas não foram as transformações? Existe hoje uma maturidade que não tínhamos e uma consciência da realidade bem mais ampla, apesar de tudo.

Quando entrámos nesse deserto íamos cheios de expectativas. Diziam-nos que do outro lado encontraríamos a PAZ. E então, no entusiasmo que isso nos trouxe, lá carregámos a mochila e preparámos as inúmeras refeições para a travessia, as várias vasilhas de água, e mais aquele livro, e mais uma bússola para não nos perdermos, e mais isto e aquilo. Fomos para lá carregados com toda a tralha civilizacional.

É claro que à medida que caminhávamos tudo isso foi pesando. Líamos o livro que falava de PAZ, mas os nossos pés pelavam com o calor da areia, sangrando. E isso ia-nos deixando confusos com tudo aquilo. Seria uma ilusão? Teríamos sido enganados por aqueles que diziam que do outro lado do deserto estava a PAZ?

Pelo trajecto fomo-nos esquecendo de todas essas coisas. Não era mais importante a busca do oásis mas procurar algum conforto nessa caminhada, vivendo aquele momento específico e não o que o horizonte nos reservava. E então numa dessas noites frias, pegámos no livro que falava de Paz e rasgámos as suas páginas para acender uma fogueira que nos aquecesse. Nunca aquele livro tinha servido tão bem! Foi certamente uma das melhores noites no deserto pelo conforto das chamas e o calor das brasas. E assim fomo-nos despindo dessa tralha. A mochila foi-se esvaziando até que nos esquecemos da caminhada e nos concentrámos apenas no passo seguinte a ser dado. Ficar preso na ideia desse oásis de Paz que fica lá longe é certamente um dos maiores obstáculos para que essa Paz se faça presente.

Só quando o nosso ego estiver totalmente despido nesse deserto é que o oásis despontará, não no horizonte - pois os oásis que aparecem no horizonte podem muito bem ser belas miragens -, mas no centro do nosso coração.

Ali, no meio desse deserto, completamente nus, sem bagagem, sem comida, sem água, sem livros e bússolas, um oásis de Paz se fará presente e por dentro, começará a transformar esse mesmo deserto. À nossa volta, onde até então apenas existia areia, começará a nascer vegetação, um regato de água cristalina brotará do chão e rasgará a paisagem; por todo o lado os lírios despertarão de um longo sono. Tudo se transformará nessa PAZ em tempos procurada e depois esquecida e negada.

Nada foi encontrado.

A PAZ não se busca; é ela que nos encontra quando estivermos receptivos e prontos para a receber. Por isso não há técnicas para serem ensinadas, mas apenas a certeza profunda, inequívoca, que no fundo do nosso coração reside essa semente que aguarda o momento certo para despontar. E como toda a semente, também esta necessita que o terreno seja limpo e preparado para essa abundante colheita que nos consagrará como seres Divinos que somos.

A chave está na Fé, que é essa certeza absoluta que tudo está no seu ponto de realidade exacto, e que no momento certo tudo se consumará de acordo com uma Vontade Maior.

Na Entrega, o que significa colocar tudo nas mãos dessa vontade e aceitar as provações e as dificuldades com Alegria, pois é o terreno que está a ser preparado para o despontar dessa semente.

Na Aspiração que, ao contrário do desejo onde se busca algo para nós, busca a doação incondicional ao Divino. Eu aspiro a uma condição, porque me dou integralmente a essa condição e não porque a desejo para mim.

E quando esse deserto se transformar num oásis, porque do nosso coração jorrou a VIDA e a PAZ, o discípulo deixará de o ser e com a sua radiação atrairá muitos outros nessa mesma caminhada para uma cura profunda e libertadora. Ele é agora o outro lado do deserto para aqueles que iniciam a sua caminhada, não para que seja encontrado por estes, mas para que a estes, de forma silenciosa, impessoal e compassiva, possa doar a Paz que em si despertou para que, em cada um, a sua própria Paz se manifeste.

Não existem, por isso mesmo, técnicas ou fórmulas que se possam ensinar, mas apenas a Vontade de que assim seja, porque assim É.

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